quinta-feira, 1 de julho de 2010

Paz

Hoje passei o dia em Santa Maria degli Angeli. Fui e voltei caminhando, pela estrada matonata. Queria meditar, conversar com Deus sobre algumas coisas, umas dúvidas, uns acertos que tinha que fazer com Ele. E também rezar pelos meus pais e todas as pessoas amadas.
Cheguei lá para a missa das onze. O dia estava lindo, quente – muito quente, aliás. Depois da missa, fui à capelinha da Porciúncula, à capela do trânsito e me sentei na grande igreja pra falar com Deus.
Tava lá expondo uma questão pra Ele quando de repente uma freirinha já meio velhinha chegou pra mim, do nada, e começou a falar em italiano. Eu não entendia o que ela tava falando, exceto uma única e pequena frase. Bem. Esta frase se encaixava exatamente naquilo que eu tava conversando com Ele. Era uma resposta. Pra mim, funcionou dessa forma. Isso trouxe muita paz pro meu coração.
Por falar em paz. Uma outra questão que tava vendo com Ele. Já bloguei um pouco sobre isso. O conceito de paz. Apesar de já estar bastante convencida de que este talvez seja o valor mais importante para mim, tinha alguns momentos em que eu ficava insegura quanto ao fato de isso poder ser, na realidade, uma patologia, um medo do conflito, quase uma incapacidade gerencial para certos aspectos da vida, digamos assim.
Sempre tive HORROR a briga. Claro que, agora, já entendo melhor as razões disso. Mas me faltava a certeza de que esta característica própria fosse “legítima” (isto é, positiva para mim e para os que me cercam).
Enfim. Já falei muito sobre isso com Deus. Então tava pensando nessas coisas. Quando saí da igreja, entrei na livraria, onde tem um monte de obras franciscanas super interessantes e um título me chamou a atenção: ”Os franciscanos e a não-violência” (Butigan, K. at al, publicado pelo Serviço para a não violência Pace e Bene, s. l., 2003). Pensei: “Isso vai me ajudar”. Comprei. Sai da livraria e entrei numa Trattoria, pois era mais ou menos uma da tarde. Lugar fofo, tinha umas mesinhas numa varanda, super agradável. Pedi o almoço e comecei a ler. Resultado: passei a tarde todinha ali – e li o livro todo. Era o que eu precisava “saber”.
Cada um tem seu percurso, sua história. Cada um tem seus valores, suas prioridades – e eu acho que, no final das contas, a gente segue o caminho que consegue preservar de modo mais completo a nossa identidade, a nossa integridade pessoal diante de nós mesmos. E, seja lá por que motivo for, a paz é um elemento essencial da minha integridade. Eu não sei viver sem isso. Ou, mais precisamente, não quero.
O livro trata da experiência de São Francisco em escolher a não-violência. Diz que isso foi, de certa forma, o tratamento que ele deu ao trauma de ter participado da guerra (antes de se converter). Fala do episódio em que o santo, participando das Cruzadas, decidiu ir aos muçulmanos sem arma alguma, fazendo-se prisioneiro de um sultão que, no final, virou amigo dele. :-)))
Muitas outras coisas legais, tem o livro. Conta também a experiência do lobo que assombrava a cidade de Gubbio (fica aqui perto de Assis). São Francisco foi pros matos, procurou o lobo, conversou com ele e pediu que ele parasse de fazer mal a homens e animais. O lobo deu a patinha pro santo pra selarem o pacto de paz. Muito fofo.
Mais do que isso: diz o livro que a gente tem que ter coragem pra construir a paz. Ela exige que a gente se aproxime do que nos amedronta SEM ARMAS, como Francisco fez com o lobo. Sair do modelo da ameaça recíproca. Enxergar os motivos do outro, sua condição de semelhante, o que significa, no limite, reconhecer nele sua vulnerabilidade. Sua finitude. Somos todos iguais em nossa fragilidade intrínseca. Enxergar isso nos ajuda a viver em paz. Porque, no limite, a violência é um instrumento de AUTOPROTEÇÃO. E não existe proteção contra o fato extremo de que todos vamos morrer... então, a violência, ainda no limite, é INÚTIL...
A cortesia também faz parte da atitude franciscana de não-violência. A gentileza desarma os corações. Uma atitude de respeito para com a pessoa, os valores, a vulnerabilidade do outro instaura um ambiente de paz.
Por fim, é preciso estar preparado para sofrer, se o caminho da não-violência for escolhido. E não é o sofrimento pelo sofrimento. O sofrimento é incidental. É, digamos assim, uma conseqüência assumida, um preço eventual a ser pago, se for preciso, para conseguir a paz. Pode-se perder coisas quando se opta pela paz. Pode-se perder coisas materiais ou emocionais. Pode-se perder pessoas. Pode-se perder poder. Pode-se perder o controle da situação. Pode-se perder bens. Mas opta-se por isso, porque se sabe que, no processo, o ganho supera infinitamente as perdas.

Seguem alguns trechos muito interessantes do livro:

A não-violência é uma forma de vida para pessoas corajosas;
A não-violência busca acabar com a injustiça, não com as pessoas;
A não-violência aceita a violência, se necessário, mas nunca a inflige;
A não-violência aceita voluntariamente as conseqüências de seus atos;
A não-violência é um processo de aprendizado lento e requer paciência tanto consigo próprio como com os outros;
A não-violência requer a revelação honesta de nosso próprio eu a nós mesmos e ao outro;
A não-violência renuncia aos jogos de vítima/algoz, evitando o maniqueísmo e a satanização do outro;
A não-violência se baseia no diálogo, isto é, em acordos, não em suposições, pois muitos conflitos se originam de mal entendidos;
A não-violência reconhece que cada um de nós está numa viagem espiritual e que todas as nossas experiências nos ensinam e transformam, o que gera gratidão;
A não-violência zela para que o diálogo com o outro transcorra num clima não de ameaça, mas sim de conforto e segurança.

Quem tiver mais interesse no assunto, pode procurar a página eletrônica do Serviço Para a Não-violência Pace e Bene, indicado no livro: www.paceebene.org.
Grande beijo a todos.

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